sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Nosso Lar - 28 - Em Serviço

Encerrada a prece coletiva, ao crepúsculo, Tobias ligou o receptor, a fim de ouvir os Samaritanos em atividade no Umbral.

Justamente curioso, vim a saber que as turmas de operações dessa natureza se comunicavam com as retaguardas de tarefa, em horas convencionais.


Sentia-me algo cansado pelos intensos esforços despendidos, mas o coração entoava hinos de alegria interior. Recebera a ventura do trabalho, afinal. E o espírito de serviço fornece tônicos de misterioso vigor.


Estabelecido o contacto elétrico, o pequenino aparelho, sob meus olhos, começou a transmitir o recado, depois de alguns minutos de espera:


– Samaritanos ao Ministério da Regeneração!...


Samaritanos ao Ministério da Regeneração!...

Muito trabalho nos abismos da sombra. Foi possível deslocar grande multidão de infelizes, seqüestrando às trevas espirituais vinte e nove irmãos. Vinte e dois em desequilíbrio mental e sete em completa inanição psíquica.

Nossas turmas estão organizando o transporte...


Chegaremos alguns minutos depois da meia-noite... Pedimos providenciar...

Notando que Narcisa e Tobias se entreolhavam fundamente admirados, tão logo silenciou a estranha voz, não pude conter a pergunta que me desbordava dos lábios:


– Como assim? Por que esse transporte em massa?


Não são todos espíritos?

Tobias sorriu e explicou: – O irmão esquece que não chegou ao Ministério do Auxílio de outro modo. Conheço o episódio de sua vinda. É preciso recordar, sempre, que a Natureza não dá saltos e que, na Terra, ou nos círculos do Umbral, estamos revestidos de fluidos pesadíssimos.


São aves e têm asas, tanto o avestruz como a andorinha; entretanto, o primeiro apenas subirá às alturas se transportado, enquanto a segunda corta, célere, as vastas regiões do céu.


E deixando perceber que o momento não comportava divagações, dirigiu-se a Narcisa, ponderando:


– É muito grande a leva desta noite. Precisamos tomar providências imediatas.


– Serão necessários muitos leitos! - murmurou a serva algo pesarosa.


– Não se aflija - respondeu Tobias resoluto -, alojaremos os perturbados no Pavilhão 7 e os enfraquecidos na Câmara 33.


Em seguida, levou a destra à fronte, como a ponderar algo muito sério, e exclamou:


– Resolveremos facilmente a questão da hospitalidade; o mesmo, porém, não se dará no concernente à assistência. Nossos auxiliares mais fortes foram requisitados para garantir os serviços da Comunicação nas esferas da Crosta, em vista das nuvens de treva que ora envolvem o mundo dos encarnados.


Precisamos de pessoal de serviço noturno, porquanto os operários em função com os Samaritanos chegarão extremamente fatigados.

– Ofereço-me, com prazer, para o que possa aproveitar – exclamei espontaneamente.


Tobias endereçou-me um olhar de profunda simpatia, mesclada de gratidão, fazendo-me experimentar cariciosa alegria íntima. – Mas está resolvido a permanecer nas Câmaras, durante a noite? - perguntou, admirado.


– Outros não fazem o mesmo? - indaguei por minha vez - sinto-me disposto e forte, preciso recuperar o tempo perdido.


Abraçou-me o generoso amigo, acrescentando:


– Pois bem, aceito confiante a colaboração. Narcisa e os demais companheiros ficarão também de guarda. Além do mais, mandarei Venâncio e Salústio, dois irmãos de minha confiança.


Não posso permanecer aqui, de plantão noturno, em vista de compromissos anteriores; no entanto, caso necessário, você ou algum dos nossos me comunicará qualquer ocorrência de maior gravidade. Traçarei o plano dos trabalhos, facilitando quanto possível a execução.


E descortinou-se campo enorme de providências.


 Enquanto cinco servidores operavam em companhia de Narcisa, preparando roupa adequada e petrechos de enfermagem, eu e Tobias movíamos pesado material no Pavilhão 7 e na Câmara 33.

Não poderia explicar o que se passava comigo.


Apesar da fadiga dos braços, experimentava júbilo inexcedível no coração.

Na oficina, onde a maioria procura o trabalho, entendendo-lhe o sublime valor, servir constitui alegria suprema.


Não pensava, francamente, na compensação dos bônus-hora, nas recompensas imediatas que me pudessem advir do esforço; contudo, minha satisfação era profunda, reconhecendo que poderia comparecer feliz e honrado, perante minha mãe e os benfeitores que havia  encontrado no Ministério do Auxílio.

Ao despedir-se, Tobias voltou a abraçar-me e falou:


– Desejo a vocês muita paz de Jesus, boa noite e serviço útil.


Amanhã, às oito horas, você poderá descansar. O máximo de trabalho, cada dia, é de doze horas, mas estamos em circunstâncias especiais. Respondi que as determinações me enchiam de sincero contentamento.


A sós com o grande número de enfermeiros, passei a interessar-me pelos doentes, com mais carinho. Dentre as figuras de auxiliares presentes, impressionou-me a bondade espontânea de Narcisa, que atendia a todos, maternalmente.


Atraído pela sua generosidade, busquei aproximar-me com interesse. Não foi difícil alcançar o prazer de sua conversação carinhosa e simples. A velhinha amável semelhava-se a um livro sublime de bondade e sabedoria.

– Mas, a irmã aqui trabalha há muito? - perguntei, a certa altura da palestra amistosa.


– Sim, permaneço nas Câmaras de Retificação, em serviço ativo, há seis anos e alguns meses; entretanto, ainda me faltam mais de três anos para realizar meus desejos.


Ante a silenciosa indagação do meu olhar, falou Narcisa amavelmente:


– Preciso um endosso muito sério.


– Que quer dizer com isso? - perguntei interessado.


– Preciso encontrar alguns espíritos amados, na Terra, para serviços de elevação em conjunto. Por muito tempo, em razão de meus desvios passados, roguei, em vão, a possibilidade necessária aos meus fins. Vivia perturbada, aflita.


Aconselharam-me, porém, recorrer a Ministra Veneranda, e nossa benfeitora da Regeneração prometeu que endossaria meus propósitos no Ministério do Auxílio, mas exigiu dez anos consecutivos de trabalho aqui, para que eu possa corrigir certos desequilíbrios do sentimento. No primeiro instante, quis recusar, considerando demasiada a exigência; depois, reconheci que ela estava com a razão. Afinal, o conselho não visava a interesses dela e sim ao meu próprio benefício. E ganhei muito, aceitando-lhe o parecer.

Sinto-me mais equilibrada e mais humana e, creio, viverei com dignidade espiritual minha futura experiência na Terra.

Ia manifestar profunda admiração, mas um dos enfermos próximos gritou:


– Narcisa! Narcisa!


Não me cabia reter, por mera curiosidade pessoal, aquela irmã dedicada, transformada em mãe espiritual dos sofredores.

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