sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Nosso Lar - 25 - Generoso Alvitre

No dia imediato, muito cedo, fiz leve refeição em companhia de Lísias e familiares. Antes que os filhos se despedissem, rumo ao trabalho do Auxílio, a senhora Laura encorajou-me o espírito hesitante, dizendo, bem-humorada:

– Já lhe arranjei companhia para hoje. Nosso amigo Rafael, funcionário da Regeneração, passará por aqui, a meu pedido.


Poderá aceitar-lhe a companhia em direção ao novo Ministério.


Rafael é antiga relação de nossa família e apresenta-lo-á, em meu nome, ao Ministro Genésio.


Não poderia explicar o contentamento que me dominou a alma.


Estava radiante. Agradeci, comovido, sem encontrar palavras que definissem meu júbilo. Lísias, por sua vez, demonstrou grande alegria. Abraçou-me efusivamente antes de sair, sensibilizando-me o coração. Ao beijar o filho, a senhora Laura recomendou:


– Você, Lísias, avise ao Ministro Clarêncio que comparecerei ao expediente, logo que entregue nosso amigo aos cuidados de Rafael.


Comovidíssimo, eu não conseguia agradecer tamanha dedicação.


Ficando a sós, a desvelada genitora do meu amigo dirigiu-me a palavra carinhosa:


– Meu irmão, permita-me algumas indicações para os seus novos caminhos. Creio que a colaboração maternal sempre vale alguma coisa e, já que sua mãezinha não reside em "Nosso Lar", reivindico a satisfação de orientá-lo neste momento. – Gratíssimo - respondi, sensibilizado -; nunca saberei traduzir meu reconhecimento à sua atenção.


Sorriu a bondosa senhora, acrescentando:


– Estou informada de que pediu trabalho há algum tempo...


– Sim, sim... - esclareci, relembrando as elucidações de Clarêncio.


– Sei, igualmente, que não o obteve de pronto, recebendo, mais tarde, a necessária autorização para visitar os Ministérios que nos ligam mais fortemente à Terra.


Esboçando significativa expressão fisionômica, a boa senhora acrescentou:


– É justamente neste sentido que lhe ofereço minhas sugestões humildes. Falo com o direito de experiência maior.


Detendo, agora, essa autorização, abandone, quanto lhe seja possível, os propósitos de mera curiosidade. Não deseje personificar a mariposa, de lâmpada em lâmpada. Sei que seu espírito de pesquisa intelectual é muito forte. Médico estudioso, apaixonado de novidades e enigmas, ser-lhe-á muito fácil deslizar na posição nova.

Não esqueça que poderá obter valores mais preciosos e dignos que a simples análise das coisas.


A curiosidade, mesmo sadia, pode ser zona mental muito interessante, mas perigosa, por vezes.

Dentro dela, o espírito desassombrado e leal consegue movimentar-se em atividades nobilitantes; mas os indecisos e inexperientes podem conhecer dores amargas, sem proveito para ninguém. Clarêncio ofereceu-lhe ingresso nos Ministérios, começando pela Regeneração. Pois bem: não se limite a observar. 


Ao invés de albergar a curiosidade, medite no trabalho e atire-se a ele na primeira ocasião que se ofereça. Surgindo ensejo nas tarefas da Regeneração, não se preocupe em alcançar o espetáculo dos serviços nos demais Ministérios.

Aprenda a construir o seu círculo de simpatias e não olvide que o espírito de investigação deve  manifestar-se após o espírito de serviço. Pesquisar atividades alheias, sem testemunhos no bem, pode ser criminoso atrevimento.

Muitos fracassos, nas edificações do mundo, originam-se de semelhante anomalia. Todos querem observar, raros se dispõem a realizar. Somente o trabalho digno confere ao espírito o merecimento indispensável a quaisquer direitos novos. O Ministério da Regeneração está repleto de lutas pesadas, localizando-se ali a região mais baixa de nossa colônia espiritual. Saem de lá todas as turmas destinadas aos serviços mais árduos. Não se considere, porém, humilhado por atender às tarefas humildes.


Lembro-lhe que em todas as nossas esferas, desde o planeta até os núcleos mais elevados das zonas superiores, em nos referindo à Terra, o Maior Trabalhador é o próprio Cristo e que Ele não desdenhou o serrote pesado de uma carpintaria. O Ministro Clarêncio autorizou-o, gentilmente, a conhecer, visitar e analisar; mas pode, como servidor de bom senso, converter observações em tarefa útil. 

É possível receber alguém dos que administram, quando peça determinado gênero de atividade reservada, com justiça, aos que muito hão lutado e sofrido no capítulo da especialização; mas ninguém se recusará a aceitar o concurso do espírito de boavontade, que ama o trabalho pelo prazer de servir.

Meus olhos estavam úmidos. Aquelas palavras, pronunciadas com meiguice maternal, caíam-me no coração como bálsamo precioso. Poucas vezes sentira na vida tanto interesse fraternal pela minha sorte.


Semelhante conselho calava-me no fundo d’alma e, como se desejasse temperar com amor os criteriosos conceitos, a senhora Laura acrescentou com inflexão carinhosa:

– A ciência de recomeçar é das mais nobres que nosso espírito pode aprender. São muito raros os que a compreendem nas esferas da crosta. Temos escassos exemplos humanos, nesse sentido.


Lembremos, contudo, o de Paulo de Tarso, Doutor do Sinédrio, esperança de uma raça, pela cultura e pela mocidade, alvo de geral atenção em Jerusalém, que voltou, um dia, ao deserto para recomeçar a experiência humana, como tecelão rústico e pobre.

Não pude mais. Tomei-lhe as mãos, como filho agradecido, e cobri-as do pranto jubiloso que me inundava o coração.


A genitora de Lísias, agora de olhos fixos no horizonte, murmurou:


– Muito grata, meu irmão. Creio que você não veio a esta casa atendendo ao mecanismo da casualidade.


Estamos todos entrelaçados em teia de amizade secular. Brevemente voltarei ao círculo da carne; entretanto, continuaremos sempre unidos pelo coração.

Espero vê-lo animado e feliz, antes de minha partida. Faça desta casa a sua habitação. Trabalhe e anime-se, confiando em Deus.


Levantei os olhos rasos d’água, fixei-lhe a expressão carinhosa, experimentei a felicidade que nasce dos afetos puros e tive impressão de conhecer minha interlocutora, de velhos tempos, embora tentasse, debalde, identificar-lhe o carinho nas reminiscências mais distantes. Quis beijá-la muitas vezes, com o enternecimento filial do coração, mas, nesse instante, alguém bateu à porta.


Fitou-me a senhora Laura, mostrando indefinível ternura maternal e falou:


– É Rafael que vem buscá-lo. Vá, meu amigo, pensando em Jesus. Trabalhe para o bem dos outros, para que possa encontrar seu próprio bem.

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