quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Nosso Lar - 47 - A Volta De Laura

Não só minha mãe se preparava para regressar aos círculos
terrenos. Também a senhora Laura encontrava-se em vésperas do
grande cometimento. Avisado por alguns companheiros, aderi à demonstração de simpatia e apreço que diversos funcionários, particularmente do Auxílio e da Regeneração, iam prestar à nobre matrona, por motivo de sua volta às experiências humanas. Realizou-se a homenagem afetuosa na noite em que o Departamento de Contas lhe entregou a notificação do tempo global de serviço na colônia.


Não é possível traduzir, em letras comuns, a significação espiritual da festa íntima.


Povoava-se a encantadora residência de melodias e luzes. As flores pareciam mais belas.


Numerosas famílias foram saudar a companheira, prestes a regressar. Os visitantes, na maioria, cumprimentavam-na, carinhosos, ausentando-se, sem maiores delongas; no entanto, os amigos mais íntimos lá permaneceram até alta noite. Tive, assim, ocasião de ouvir observações curiosas e sábias.


A senhora Laura me pareceu mais circunspecta, mais grave.


Notava-se-lhe o esforço para acompanhar a corrente de otimismo geral. Repleta a sala de estar, a genitora de Lísias explicava ao representante do Departamento:


– Creio não me demorar mais que dois dias.


Terminaram as aplicações do Serviço de Preparação, do Esclarecimento.

E, com um olhar algo triste, concluía:


– Como vê, estou pronta.


O interlocutor tomou expressão de sincera fraternidade e acrescentou, estimulando-a:

– Espero, entretanto, que se encontre animada para a luta. É uma glória seguir para o mundo, nas suas condições. Milhares e milhares de horas de serviço a seu favor, perante a comunidade de mais de um milhão de companheiros. Além disso, os filhinhos constituirão seu belo estímulo à retaguarda.


– Tudo isso me reconforta - exclamou a dona da casa, sem disfarçar a preocupação íntima -, mas devemos compreender que a reencarnação é sempre uma tentativa de magna importância.


Reconheço que meu esposo me precedeu no enorme esforço e que os filhos amados serão meus amigos de todo instante; contudo...


– Ora essa! não se deixe levar por conjeturas - atalhou o Ministro Genésio -, precisamos confiar na Proteção Divina e em nós mesmos. 


O manancial da Providência é inesgotável. É preciso quebrar os óculos escuros que nos apresentam a paisagem física como exílio amarguroso. Não pense em possibilidades de fracasso; mentalize, sim, as probabilidades de êxito. Além do mais, é justo confiar alguma coisa em nós outros, seus amigos, que não estaremos tão longe, no tocante à "distância vibratória”. Pense na alegria de auxiliar antigas afeições, pondere na glória imensa de
ser útil.


Sorriu a senhora Laura, parecendo mais encorajada, e asseverou:


– Tenho solicitado o socorro espiritual de todos os companheiros, a fim de manter-me vigilante nas lições aqui recebidas.


Bem sei que a Terra está cheia da grandeza divina. Basta recordar que o nosso Sol é o mesmo que alimenta os homens; no entanto, meu caro Ministro, tenho receio daquele olvido temporário em que nos precipitamos. Sinto-me qual enferma que se curou de numerosas feridas... Em verdade, as úlceras não mais me apoquentam, mas conservo as cicatrizes. Bastaria um leve arranhão, para voltar a enfermidade.


O Ministro esboçou o gesto de quem compreendia o sentido da alegação e revidou:


– Não ignoro o que representam as sombras do campo inferior, mas é indispensável coragem e caminhar para diante. Ajudala-emos a trabalhar muito mais no bem dos outros, que na satisfação de si mesma. O grande perigo, ainda e sempre, é a demora nas tentações complexas do egoísmo.


– Aqui - tornou a interlocutora sensatamente -, contamos com as vibrações espirituais da maioria dos habitantes educados, quase todos, nas luzes do Evangelho Redentor; e ainda que velhas fraquezas subam á tona de nossos pensamentos, encontramos defesa natural no próprio ambiente. Na Terra, porém, nossa boa intenção é como se fora bruxuleante luz num mar imenso de forças agressivas.


– Não diga isso - atalhou o generoso Ministro -, não dê tamanha importância às influências das zonas inferiores.


Seria armar o inimigo para que nos torturasse. O campo das idéias é igualmente campo de luta. Toda luz que acendermos, de fato, na Terra, lá ficará para sempre, porque a ventania das paixões humanas jamais apagará uma só das luzes de Deus.

A senhora pareceu agora ver tudo mais claro, em face dos conceitos ouvidos; mudou radicalmente a atitude mental e falou, cobrando novo alento:


– Estou convencida, agora, de que sua visita é providencial.


Precisava levantar energias. Faltava-me essa exortação. É verdade:


nossa zona mental é campo de batalha incessante. É preciso aniquilar o mal e a treva dentro de nós mesmos, surpreendê-los no reduto a que se recolhem, sem lhes dar a importância que exigem.


Sim, agora compreendo. Genésio sorriu satisfeito e acrescentou:


– Dentro do nosso mundo individual, cada idéia é como se fora uma entidade à parte... 


É necessário pensar nisso. Nutrindo os
elementos do bem, progredirão eles para nossa felicidade, constituirão nossos exércitos de defesa; todavia, alimentar quaisquer elementos do mal é construir base segura para os nossos inimigos verdugos.


A essa altura, o funcionário das Contas observou:


– E não podemos esquecer que Laura volta à Terra com extraordinários créditos espirituais. Ainda hoje, o Gabinete da Governadoria forneceu uma nota ao Ministério do Auxílio, recomendando aos cooperadores técnicos da Reencarnação o máximo cuidado no trato com os ascendentes biológicos que vão entrar em função para constituir o novo organismo de nossa irmã.


– Ah! é verdade - disse ela -, pedi essa providência para que não me encontre demasiadamente sujeita à lei da hereditariedade.


Tenho tido grande preocupação, relativamente ao sangue.


– Repare - disse o interlocutor, solícito - que o seu mérito em "Nosso Lar" é bem grande, porquanto o próprio Governador determinou medidas diretas.


– Não se preocupe, portanto, minha amiga - exclamou o Ministro Genésio, sorridente -, terá ao seu lado inúmeros irmãos e companheiros a colaborarem no seu bem-estar.


– Graças a Deus! - disse a senhora Laura, confortada - faltava-me ouvi-lo, faltava-me ouvi-lo...


Lísias e as irmãs, às quais se unia agora a simpática e generosa Teresa, manifestaram alegria sincera.


– Minha mãe precisava esquecer as preocupações - comentou o abnegado enfermeiro do Auxílio -; afinal de contas, não ficaremos aqui a dormir. – Têm razão - aduziu a dona da casa -; cultivarei a esperança, confiarei no Senhor e em todos vocês.


Em seguida, os comentários voltaram ao plano da confiança e do otimismo. Ninguém comentou a volta à Terra, senão como bendita oportunidade de recapitular e aprender, para o bem.


Ao despedir-me, alta noite, a senhora Laura disse-me em tom maternal:


– Amanhã à noite, André, espero igualmente por você. Faremos pequena reunião íntima. O Ministério da Comunicação prometeu-nos a visita de meu esposo. Embora se encontre nos laços físicos, Ricardo será trazido até aqui, com o auxílio fraternal de companheiros nossos. Além disso, amanhã estarei a despedir-me. 


Não falte.

Agradeci, comovidamente, esforçando-me por ocultar as lágrimas das saudades prematuras que me despontavam no coração.

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